Contos Insanos #3
No
quesito amor, eu sempre fui muito fodida. Não faço a mínima ideia de como
funciona a reciprocidade. Quando eu gosto de alguém, a pessoa não corresponde,
e quando gostam de mim, eu não consigo corresponder. Então, eu realmente,
procuro não me apaixonar por ninguém. Só que sabemos que nada acontece como
queremos, não é?
Éramos
amigos. Só isso. Fazíamos parte do mesmo ciclo de amigos. Eu nunca tinha
reparado em nada que me fizesse voltar os olhos diretamente só para ele. Até
que em meados de maio, após eu me livrar de uns problemas pessoais que
literalmente me sugavam (assunto para outra história), eu comecei a sentir a
presença dele bem mais forte que nos outros dias. Ele fazia questão de mostrar
que estava ali, estava de olho em mim, que prestava atenção em tudo. Sabe
aquela sensação de estar sendo observada? Eu me sentia exatamente assim perto
dele. Sempre estávamos entre amigos, e perto dos meus amigos, para quem me
conhece, sabe que fico totalmente transparente, sou eu de verdade, sem
censuras, sem rótulos, apenas eu, na minha forma mais bruta e cômica. E tinha
alguém que reparava em mim, mesmo eu sendo do jeito que sou. Alguém que já
tinha me visto bêbada, alucinada, transtornada, debochada, triste, com raiva e
principalmente fazendo piada de tudo. O nome dele era Santiago, 22 anos, aquele
tipinho de cara que trabalha na empresa do pai, que tem tudo na vida. Ele tinha
tudo, tinha carros na garagem, dinheiro no bolso, mulher a vontade, maconha,
pó, e o que mais ele quisesse nas mãos, inclusive eu. Eu sabia que nele faltava
algo que nem ele mesmo sabia explicar, eu nunca questionei, nunca perguntei,
nem éramos de conversar, nosso papo rolava apenas por linguagem corporal,
repletos de olhares, sorrisinhos e todo o clichê que a gente sempre ouve falar,
mas que nunca acontecem, e que comigo aconteceu.
Santiago
foi a primeira impressão de reciprocidade que a vida me deu. Duramos pouco.
Vivemos muito. Sinto falta dele. Sinto falta de estar com ele. Queria eu, ter
sido a pessoa que iria salvar ele dos próprios demônios, mas eu não consigo nem
me salvar, quem dirá salvar alguém. Nos perdemos no caminho, nos embolamos,
criamos laços, ensinei ele a bolar, ele me ensinou a dropar. Éramos os mais
velhos do nosso ciclo de amigos e vivíamos como se fossemos os mais jovens, sem
medo do amanhã, ele principalmente. Lembro-me das vezes que eu me esgueirava em
direção do seu quarto a noite e o acordava com toda sutileza do mundo, e que
apesar de estarmos muito drogados e bêbados, sempre lembrávamos das besteiras
que cometíamos juntos no dia seguinte. Ele adorava fumar, e eu nunca tinha
conhecido alguém que gostasse de fumar tanto quanto eu, era como se quando
estávamos fumando nossas almas virassem fumaça e se perdessem entre si pela
sala. Ele era um baseado. Me deu uma viagem louca para eu nunca mais esquecer,
mas acabou, o meu fogo não foi o suficiente para manter a chama acesa. Eu não
fico triste, marquei ele da forma que eu podia. Eu fui a única que ele não
conseguiu domar, ele bateu cabeça comigo, tentou me desenrolar, mas viu que eu
era tão esperta quanto ele. Vivíamos uma viagem sem fim, sempre que nos víamos
estávamos com amigos, éramos acostumados a ficar loucos, qualquer dia era dia,
não importa se era numa sexta, ou em plena segunda-feira, sempre estávamos
juntos. Tínhamos uma conexão gostosa de se viver. Era divertido poder estar
confortável e feliz ao redor dos seus amigos e saber que o cara que você gosta
está bem nessa rodinha, e que ele curte tudo o que você gosta, que te deixa
louca, que te chama de fininho para o andar de cima e te dá uma noite para se
lembrar. Eu dei muitas noites para ele se lembrar. O meu erro foi ter ficado
calada nas horas erradas. Entraram pessoas na vida dele, pessoas das quais eu
não pude evitar a entrada, mas nunca agi de má fé, nunca pensei em expor o que
tínhamos, só queria que ele pudesse contar comigo no final das contas. Só
queria que ele não tivesse sido burro o suficiente para deixar tudo o que
tínhamos acabar. A culpa não foi minha, disso eu tenho certeza. Mas, eu também
acredito que a culpa não seja só dele. Estávamos no momento certo mas no lugar
errado. Ou seria o contrário? Não sei. Eu ainda estou aqui, na mesmice, na
espera de que tudo se ajeite. E eu sei que ele lembra de mim, não só dei noites
boas, mas como gestos e palavras que jamais caíram no esquecimento. Eu me perdi
no caminho, eu poderia ter mudado o rumo da nossa história, mas ela não seria
como foi se eu tivesse atrapalhado no que a vida queria que tivesse acontecido conosco.
Ou que ainda vai acontecer. Ele anda solto por aí, que nem eu, mas a cidade que
vivemos é pequena demais, uma hora ou outra a gente se esbarra, e quem sabe,
vive mais e dura mais um pouco.
Por Catarina, louca, insana, suja, boa demais pra qualquer um. (Pra quem não sabe, a Catarina é uma personagem minha que fala abertamente sobre tudo e todos, não tem papas na língua, desbocada, vivida, é uma mulher intensa demais que procura seu lugar no mundo)
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