Não devia ter entrado naquele ônibus

Vi uma garota chorando hoje. Ela escondia o rosto com o cabelo, com uma palma da mão segurava a bochecha esquerda e limpava sutilmente as lágrimas. Eu entrei no ônibus e antes que pudesse passar pela catraca, a garota me prendeu a atenção, sentei onde pudesse vê-la e passei o resto do meu trajeto a observá-la. Já era noite, e eu me perguntava o porquê dela está chorando, o que tinha lhe perturbado tanto a ponto de não conter o próprio choro em público? Será que brigou com uma amiga? Fugiu de casa? Foi assaltada? Não, não, não. Era um tipo de pranto diferente, ela chorava por algo que faltava, algo que não existia mais, algo que perdeu. Era um choro tão pesado, tão difícil de segurar, era poesia em forma de tristeza. Cheguei mais perto, ela estava com fone de ouvido, o som se encontrava no máximo, o barulhinho externo era audível, o celular no colo mostrava qual faixa tocava. Entre Laços. Me pareceu familiar, pensei, pensei... Ah, Zimbra, conheço. “Estranho é pensar em mim mesmo sem te incluir”, que forte, lembrei. No momento, eu já tinha entendido tudo. Era exatamente essa perda da qual a garota chorava. A perda de alguém. Eu senti que ela precisava ouvir um “vai ficar tudo bem” ou de apenas um abraço, mas eu simplesmente não consegui. Sabe a sensação de ser impedida por uma intuição? Foi como se ela precisasse daquilo. Fazia parte do seu crescimento, da maturidade, que ali, ela teria que adquirir. Nada dói mais que um coração partido, além do processo de cicatrização desse machucado, imagine quão doloroso é se acostumar com a falta da pessoa que preenchia as lacunas em branco da vida. Ela chorava intensamente, e envergonhada se contorcia para o lado da janela, pro vento secar seu rosto, ela parecia desesperada, como se o mundo fosse acabar ali. Eu acredito na dor, acredito que suportamos tudo aquilo que devidamente foi nos dado, eu acreditei na dor daquela garota como se fosse minha própria. Comecei a pensar em mim e nas vezes que tive que aguentar as merdas que a vida jogou em mim, sem aviso. Lembrei de todas as vezes que não segurei o choro, e sofri como uma criança assustada, lembrei de você, das vezes que me machucou, das mentiras que contou, de tudo o que me faz passar, lembrei do quanto eu amava você e do quanto eu não me amava. Lembrei das coisas boas, daquelas coisas que eu sinto falta, lembrei da rotina, e de como é difícil voltar para a rotina sem companhia, lembrei das coisas que te ensinei, dos cuidados que você me deu. Lembrei das coisas que eu queria te contar, dos lugares que eu queria te mostrar, lembrei dos poemas que nunca li, dos textos que eu nunca te enviei, das verdades que eu nunca te contei, lembrei de tudo o que eu não fiz e que poderia ter feito, lembrei das coisas que você poderia não ter feito. Lembrei das vezes que eu pedi pra Deus para eu te esquecer e de todas as vezes que Ele não me ouviu. Lembrei do quanto é fácil esquecer dos seus olhos, mas do quanto é difícil esquecer da sua voz, das suas manias, das suas vontades e preferencias, da sua família problemática e da sua cadela que nunca foi com a minha cara. Lembrei das poucas datas que vivemos e dais quais não vamos viver mais. Lembrei da vontade que eu tinha de te pedir em casamento e de formar uma família, lembrei do quanto era bobagem sonhar coisas grandes com você, e lembrei do quanto você me apoiava nisso. Lembrei, também, do quanto eu preciso esquecer você, do quanto eu quero seguir em frente, lembrei que ainda dói, lembrei que seu cheiro me destrói. Lembrei que me fez feliz, mas me fez sofrer. Foi uma viagem longa de ônibus, a garota me acompanhou o trajeto todo, e com o passar do caminho, suas lágrimas foram diminuindo e ela foi se recompondo aos poucos. A lição tinha sido aprendida. Ela sabia a força que tinha, sabia que iria conseguir, que não há tristeza que valha a pena, nem sofrimento que seja eterno. O começo de uma página pronta para ser escrita. O mundo é grande demais, ela sabe disso, eu também. Aquela garota era eu.


por Isabella Benedetto, autora e dona do Anti-poético. Prontíssima para um novo começo.  

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