Contos Insanos #4

    Hoje não quero falar de amor. Não quero me desgastar com minha própria sensibilidade. Não saí de casa para isso. Não vim falar de você e de como me deixa. Deixa pra depois se eu já deixei do jeito que você gosta. Tá tocando um jazz no fundo, um que a gente combinou de ouvir mas nunca ouviu. As luzes já estão desligadas e existe uma fresta de luz que desenha bem as curvas do teu corpo. Ouço com clareza o peso das tuas intenções no timbre da tua voz, que me brinca a mente como criança no natal, é fatal. Me desnorteia. Não posso me perder. Paro. Penso. Volto. Acendo o incenso e o baseado. A fumaça nos envolve sem toque, numa neblina tão densa quanto os teus olhos castanhos. Te vejo do outro lado da cama. Deitada. Pensando. Esperando. A mão ocupada com uma taça do meu vinho favorito. É sempre bom. Sou sempre boa. Sempre agrado. O teu silêncio me crava como lâminas. Não há tensão. Eu nada enxergo, tudo sinto. Tua pele coberta com o calor da tuas certezas. Desnuda. Cintila.  Quase grita. O escuro tudo assiste. Deslizo. Te mordo. Me perco e volto. Eu sempre volto. Nunca a mesma. A pele que chama, o cheiro, a boca. Apenas partes específicas, me engano dizendo. Nunca vou me forçar a acreditar. Não é bem aqui meu lar, é uma parada antes de saber pra onde vou. Eu sei. Não é onde eu pretendo ficar. Só 3 ou 4 dias, mas sem pretensão de voltar. Você ri. Você sempre ri. Eu não saí de casa pra isso. Nunca falamos do que importa. Eu sempre esqueço de ficar calada. Hoje eu não quero falar. Você me cansa de todas as formas. Eles dizem que seguramos com firmeza o que queremos, sabemos que nada firme combina com você. Seus toques supérfluos pelo corpo, pedindo por uma recompensa, e eu, boba, sempre entrego seus prêmios com a língua. Agradecimentos em forma de sons. Música para os ouvidos, do jazz já nada sei. A gente se comunica sem nada dizer. Tão sincero ou tão o contrário disso. A temperatura aumenta conforme você fica por cima. Tu e tua mania de sempre sair por cima. Um só corpo que sua. Mas, de sua eu não sou nada. Você só me serve pra tirar o cabelo do rosto, beijar-me o pescoço, dizer "babe, me fode", e esse é o mais próximo de amor que eu consegui chegar. Engraçado como você concorda. Lindo como você me pede o isqueiro e acende mais um e vira pro lado. Diz que tá cansada e que amanhã a gente conversa. Mas, eu nunca fico. Como eu disse, eu nunca saio de casa pra isso.

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